Nos últimos anos, o mercado de leilões de imóveis tem ganhado destaque como uma oportunidade de investimento lucrativa para aqueles que buscam adquirir bens por valores inferiores ao praticado no mercado. No entanto, com as recentes mudanças legislativas e decisões judiciais, esse cenário está passando por transformações relevantes que impactam tanto os credores quanto os compradores.
Em 2023, foi sancionada a Lei nº 14.711/2023, conhecida como Marco Legal das Garantias, que trouxe inovações no regime jurídico das garantias reais e fortaleceu a segurança dos credores em casos de inadimplemento. Uma das principais alterações está relacionada à alienação fiduciária – modalidade de garantia em que o bem permanece em nome do credor (normalmente uma instituição financeira) até a quitação total da dívida, simplificando os procedimentos de execução em caso de não pagamento.
Com essa nova regulamentação, os bancos ganharam mais autonomia para retomar e leiloar imóveis sem a necessidade de recorrer ao judiciário, tornando o processo mais ágil e eficaz. Em outras palavras, caso o devedor não cumpra suas obrigações, a instituição financeira pode consolidar a propriedade do imóvel em seu nome e levá-lo a leilão extrajudicial de forma mais célere.
A Decisão do STJ e Seus Reflexos nos Contratos de Financiamento
Em 12 de março de 2025, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu um julgamento inovador que altera significativamente o cenário das execuções imobiliárias. Segundo o entendimento do colegiado, é possível penhorar o imóvel para cobrança de dívida condominial, mesmo que ele esteja financiado por contrato com cláusula de alienação fiduciária.
Na prática, isso significa que as instituições financeiras, apesar de serem formalmente proprietárias do bem até a quitação total do financiamento, poderão ser arrastadas para o processo de cobrança em razão de débitos condominiais não quitados pelo comprador fiduciário.
Esse novo posicionamento do STJ gera um impacto direto nos contratos de financiamento. Os bancos, visando se proteger de eventuais prejuízos, precisarão readequar suas cláusulas contratuais, tornando – por óbvio – os financiamentos mais onerosos para os consumidores. Embora, em regra, as dívidas condominiais dificilmente ultrapassem o valor do financiamento – especialmente com as altas taxas de juros praticadas –, as instituições financeiras, como sempre, não sairão perdendo.
Para mitigar riscos, os bancos tendem a incluir cláusulas que transferem ao comprador fiduciário a responsabilidade direta e exclusiva pelas dívidas associadas ao imóvel, tornando as condições do financiamento mais rigorosas. Assim, tanto aqueles que adquirem o primeiro imóvel quanto os investidores que compram sucessivos bens sentirão os efeitos desse novo cenário com financiamentos mais restritivos e onerosos.
Qual a Relação Entre o Novo Entendimento do STJ e os Leilões de Imóveis?
A relação entre essa decisão e o mercado de leilões imobiliários é direta e significativa. Nos casos de alienação fiduciária, se o devedor não cumprir suas obrigações, o credor pode executar a garantia e levar o imóvel a leilão sem a necessidade de ação judicial – um procedimento já facilitado pelo Marco Legal das Garantias.
Com o aumento do valor dos financiamentos decorrente da readequação contratual dos bancos, espera-se que a inadimplência cresça, levando a um número maior de imóveis penhorados e levados à hasta pública (leilão). Para investidores atentos, isso representa uma oportunidade de negócios, já que imóveis financiados por valores elevados podem ser arrematados em leilão por preços significativamente reduzidos, muitas vezes chegando a até 40% do valor original.
Entretanto, é fundamental destacar que a participação em leilões exige cautela e conhecimento jurídico aprofundado. Um ponto crucial está na chamada obrigação propter rem.
O Que É a Obrigação Propter Rem?
A obrigação propter rem é aquela que está diretamente vinculada ao bem, independentemente de quem seja seu proprietário. No caso de um imóvel, as dívidas condominiais acompanham o bem e não a pessoa do devedor. Assim, quando um imóvel é arrematado em leilão, o novo proprietário assume a responsabilidade pelos débitos de condomínio em atraso, mesmo que essas obrigações tenham sido geradas antes da arrematação. Existem casos em que é previsto no edital que o imóvel vem livre de débitos, mas isso deve ser analisado caso a caso.
Os editais de leilão geralmente informam que o arrematante será responsável pelas dívidas condominiais, o que reforça a importância de uma análise minuciosa antes de realizar um lance. Nesse contexto, mesmo que o banco titular da alienação fiduciária tenha algum grau de responsabilidade, o novo entendimento do STJ reforça a necessidade de os investidores avaliarem todas as despesas adicionais que podem recair sobre o bem arrematado.
Quem Sai Perdendo e Quem Sai Ganhando com as Novas Regras?
Embora, à primeira vista, a decisão do STJ pareça um revés para as instituições financeiras, na prática, os bancos dificilmente arcarão com os prejuízos. As novas cláusulas contratuais, que certamente serão ajustadas, imporão ao comprador fiduciário a total responsabilidade por débitos condominiais e eventuais encargos adicionais.
Por outro lado, os investidores de leilões podem encontrar oportunidades vantajosas, especialmente em casos de imóveis que, devido ao aumento do custo do financiamento, resultem em maior inadimplência e, consequentemente, em mais imóveis disponíveis para arrematação a valores reduzidos.
Contudo, é indispensável que o interessado em participar de leilões imobiliários analise detalhadamente os editais, verifique a existência de débitos vinculados ao imóvel e busque assessoria jurídica especializada para garantir que a aparente vantagem financeira não se transforme em um prejuízo significativo.
Conclusão
O novo entendimento do STJ, somado às mudanças trazidas pelo Marco Legal das Garantias, inaugura uma nova fase no mercado imobiliário e de leilões. A possibilidade de penhora de imóveis com alienação fiduciária para quitação de dívidas condominiais impõe novas responsabilidades aos bancos, mas, em última análise, em via de regra esses encargos certamente serão transferidos aos consumidores.
Para investidores, esse cenário representa riscos e oportunidades. A chance de adquirir imóveis por valores reduzidos em leilões pode ser atraente, mas exige cautela redobrada quanto aos encargos adicionais que acompanham o bem, especialmente as obrigações propter rem. Em meio a esse novo panorama, a assessoria jurídica especializada torna-se um diferencial indispensável para garantir segurança e sucesso em operações de leilão imobiliário.
Este texto foi escrito por André A. Secco do qual reserva direitos de autoria.
Fonte:
REsp 1.929.926
REsp 2.082.647
REsp 2.100.103